Sessenta violoncelos solenes violoncelando. Sessenta lembranças de um nome prendido à garganta e à memória. A Rosa do Sexágeno a quem eu devo ofertar? Testamenteiro, atento! que se leia o testamento com um solo de cavaquinho, de Pixinguinha, o chorinho — Lamento.
PRAIA NOTURNA
Na praia noturna tudo se clareia. Um trovão, navalha de luz na barriga do mar: — Yansã! Epa hei! Epa hei, Yansã!
Abençoados os negros, pois nos trouxeram deuses.
ONTENS
No tempo tranquilo em que havia ontens O recente era uma pacífica propriedade à espera submissa de ser cancelada.
Teu sorriso, tua meiguice, tua entrega, eram meu poder.
ANÚNCIO CLASSIFICADO
Precisa-se de um amor de segunda mão em perfeito estado para ser amado tranquila e profundamente.
Pede-se encarecidamente: por simples curiosidade não se apresente.
Precisa-se de amor. Verdade. Não é um truque publicitário. Trata-se de alguém extremamente necessitado de amor. Alguém sofridamente solitário.
É que só quem amou um amor mal amado pode entender que se procure amor com um anúncio classificado.
AEROPORTO
No aeroporto interplanetário do satélite L-13-B-45 uma voz anunciou: — Senhores passageiros para a lua queiram apagar suas estrelas e podem sonhar!
CANTO A ALLENDE
Estou voltando de Pasárgada.
A CIA passou por lá.
Sou um homem do terceiro mundo mas meu coração não é.
CADERNETA
Esta caderneta de endereços, desabando folhas, capa despregada, cores diversas de tintas várias de canetas perdidas.
Trágica e engraçada minha caderneta de endereços. Amadas que se mudaram, Amigos que não estão. Banqueiros que não atendem.
De quando em sempre a voz de secretárias: — Queira desculpar, estão em reunião!
Esta caderneta é o Guia internacional dos homens em reunião.
Caderneta doida que é o meu retrato: vida sem endereço.
O ANJINHO DA PROCISSÃO
O anjinho da procissão vai tão triste com asas mal ajeitadas, pregadas na camisola. — Que bom vai ser, quando a gente grande parar de fingir que é boazinha e a procissão acabar. Vou correndo pro quintal matar passarinho!
ANGÚSTIA URBANA
Em frente à minha janela os homens colocaram
PEDRA SOBRE PEDRA
e roubaram meu crepúsculo.
ONDE?
Em que canto de rua,
pedaço de praia, terreno baldio, capim de roça, ladeira vadia, grama de várzea, pátio de fábrica — onde?
Onde estão neste instante os pés que amanhã, nascidos anônimos, serão pés de herois com apelidos humildes — garrinchas, pelés?
DUPLICATAS
Estranho mundo esse das duplicatas, das notas de fornecimento, dos cheques cruzados, visados. Bizarro e caricato mundo.
Nele, as assinaturas são senhoras suspeitas levadas às delegacias para provarem que são senhoras direitas.
Um documento para ser legal, quer queira, quer não, necessita do visto do tabelião.
Sufoca-me esta pequena vida. Ter que levar papeis ter que mostrar meus versos, minhas emoções, para receber o carimbo: FIRMA RECONHECIDA
Tudo o que a vida me deu já veio gasto. Fui uma criança que vestiu roupas usadas. As passagens de viagens sonhadas deram-me o canhoto inútil — já tinham sido viajadas.
Todo o bem que a vida me deu veio como essas revistas usadas, velhas revistas das salas de espera de médicos e dentistas.
Nelas, até as palavras cruzadas já foram feitas, todas. Erradamente. À tinta.
Gente mineira Gente esquisita de tão simples, estranha de tão comum. A imensa solidão de Minas Gerais é feita de pequeninas solidões pessoais. E todos tão juntos, meu Deus! Tão familiares, Tão domiciliares.
— Donana, já vou dormir. — Boa noite, "seu" Alfredo. Durma bem. São marido e mulher
Toda a ternura do homem está na terra comprada na escritura passada, na família amparada, mas, sem uma palavra sequer.
Quindins, bombocados, lombinhos, tutus, trabalhando o colesterol do amado marido, é todo o amor da mulher mas sem uma palavra sequer.
Semente perdida jogada n’ areia, sumida na lama, levada p’ro espaço. Lembrando uma vida, em meio à fumaça da sala de dança, o povo em festa. Do copo de vinho e a vida fugida. Do cheiro de gente, do sarcasmo das línguas, que ferem e matam. Descambam desejos. Masceram os sonhos. Destroem lembranças.
Semente maldita, de ignorância que vive. Cresce e não morre, mas mata. Devora os pequenos, suga-lhe o sangue. Língua pútrida, viciada, Semente de discórdia, inveja, ódio. Sepulcro que exterioriza beleza, mas, não mostra sua putrefação, em noites de orgias, de festas fúnebres, com manjares de sangue e suor de fracos.
Semente maldita, semente do mal, semente da lama, destruidora da felicidade alheia, ameaça ao povo. Ao povo que ri, desespera, chora, grita, morre. Morre, porque esta maldita semente vive.
Maldita (Semente) ignorância. Tu, semente, semente do mal, Morre, porque todos os dias, o ódio te devora!
Semente maldita, semente do mal, semente da lama. Maldita semente, língua pútrida, maligna língua. (1965)
01. Seu Mano cuidado com o bicho “tempo-passou”. Ele está com o papo cheio dos beijos que você não deu, da viagem que não fez, da valsa que não valsou a lua que você não quis, os cabelos que não alisou, tudo isso, tudinho, tá no papo do bicho “tempo-passou”.
E quando você se levanta com a valsa no pé,} o beijo na boca, passagem na mão e grita pro mundo: "Eta mundo velho, já vou!" Sua voz se perde na noite vazia e, do alto da galharia, fria, fria, vem a repetida cantiga: "Tempo passou, tempopassssooouuuu!"
As cartas do Tarô revelam a Dulcídio que Doralice o traía. Madame Dulce jamais falhava. — Com quem? (pergunta o traído raivoso). — Corte três vezes com a mão esquerda. As cartas vão dizer.
Madame Dulce se surpreende... — O Domingos?! Meu marido?!
Hoje, Dia do Ator Minha homenagem aos meus colegas:
Você tem curiosidade em saber como é o ator por dentro?
Eu digo. O dentro está por fora o fora está por dentro. Entenderam?
Trato simples para um ator. Jogar a vida de fora pra dentro e depois devolver a mesma vida botando de dentro pra fora. Entre uma coisa e outra, isso que alguns chamam de arte. Eu prefiro artimanha. Mas quando o ator começa achar o seu personagem o mundo fica bem diverso...
Ah, que caminho de aventura, seres tu mesmo e outra criatura. Ah, que loucura chorar e rir, por si mesmo e pelo estranho que lentamente tiraste da vida e do sonho, para a realidade da arte. Juro! Só o ator. Isso só o ator pode sentir.
Vocês querem saber o que é preciso para ser ator? Eu digo: são olhos que chorem lágrimas duplas. Às vezes um olho que ri enquanto o outro chora. Olhos que olhem a um tempo para fora e para dentro. É preciso a boca treinada para separar o sabor da tua lágrima do gosto da lágrima criada.
Mas, principalmente‚ é preciso manter a alma ensolarada e ampla, para ser um Deus dentro de si. Para poder jorrar para fora com luz, angústia e talento, com toda a voz, o comando: Faça-se o Homem!
Imensidão de verde onde o riacho nasce, atrás das serras onde o vento canta. Numa casa cor de barro, janelas azuis onde há mil encantos.
Árvore de cedro aninha o joão-de-barro. Quando se faz noite a luz é dos pirilampos. Piso de assoalho a luz é de lamparina. Esplêndidos sonhos, quase desnuda, ela dorme.
Seguindo o odor anda num caminho de acácias, seu mundo colorido de azul cheio de encantos. Desperta sorrindo ao gorjear da passarada. Num clarão desata os sonhos da noite.
Leva nas mãos uma cesta,recolhendo flores, vestido de chita, chapéu na cabeça. Cabelo preso com um longo laço de fitas. Menina sentinela da lida no campo.
Em mímica desfolha um bem-me-quer, num inocente riso de cristal, atiça fetiche. Na relva as borboletas em festa, em mil cores, são dançarinas dos ares bailando para ela.
Entre os dentes carrega a haste de uma rosa... Correndo pelos campos com os pés descalços. Palpitante ela ensaia gestos audaciosos, escorregando um ramo entre os seios.
Num riso malicioso castiga o seu admirador. O sol esconde atrás da serra, ela volta para casa. Carregando um candeeiro ela baila na noite ao sereno. Adentra pela casa senta-se na cadeira, cruza as pernas, enquanto conta às rosas na cesta.
Nesse labirinto a imagem confronta. Onde reside essa menina que enfeitiça?! O real traduz uma paisagem que captou o invisível. No tato, nas sépalas vermelhas, com afinco... ela deixa uma gota de líquido molhar o vestido de chita. No desejo de saber quem é ela, oh encanto de vida! Ela é a jardineira que planta sonhos e colhe rosas. É a retenção... Quando se fez centelha e calou todas as perguntas.
Quero me desfazer da inércia que me integra; voa espírito encontrando o céu liberta as asas. Corpo encerrando sua carcaça, deita sem mordaça. Fala, silencia em todos os ouvidos...
Silêncio... Silêncio...Ausência da noite, preencha as frestas das portas, das matas. Preencha o vazio do coração; Vozes misturadas reclamam, outras cantam.
Vozes sussurrando comungando na fé do outro. Nada une quando abandona a vida sem dono; Quero um amanhã sem mim ao alento; Quero as chaves que abram corações segregados.
Quebra com vigor a lembrança sombria, revigorada; Venha! O amanhã não traz melancolia; Promete: bálsamo, cobertor envelhecido; Venha! Ensina-me tudo sobre a minha pobreza.
E quando eu lhe contar sobre a mudança, meu segredo revelado voltará a ser trancado. Com cadeado prenda meus anseios ansiosos; Com as mãos acaricia meu corpo doído.
Com um choro sinta-se adentrando o obscuro; Desencanta o encanto e traga a luz manifesta. Com o coração em festa comemore cada vitória, Não tarda, será tarde, será passado, não haverá vitória.
Busque agora novos sonhos, escreva no papel; Pense, calcule, faça fórmula e siga o trajeto; Conquistando batalhas diárias rumo à utopia, Desmentida, revelada, vitória alcançada em outro tempo.
Morreu lá para nascer aqui, agora, nesse tempo. Não diga que não pode, desminta a negação; Positivando o saldo e ganhando coragem. Reformulando o amor dormente e frio.
Vibrando a alegria sem medo, vá à segurança; Quero me integrar nesse novo corpo, A serpente morde e cura com veneno destilado; São golpes mortais, uma pausa, um silêncio, um ai.
Tudo pode ferir se permitirmos poderemos sarar; Sonha um sonho grande ainda acordado. Em meu habitat alço voo meu espírito desce; Encontrando três mil sonhos dentro do clã; Aqui, eu sou um de vocês, que habita em um, vivendo em todos. Sendo vida, o silêncio onírico agregado a humanidade.
Esquece o que não importa desapega dos hipócritas. Afoga a mágoa na poesia que fenece. Esquece quão miseráveis são os fracos, em sua mendicância retumba. Faze esperança em densas nuvens; Queima a pele com a febre da justiça. Floresce a sombra do espanto; Atormentado mundo arqueia a flecha. Negligência dispersa em mil faces, arrastando tantos em guerra inútil. Por que carece do lema insólito? Permite proteção onde mora o sonho; Bebe da fonte de água viva. Cai a lágrima vertida derradeiro choro; O sal queima os pés em nu deserto. O doce em breve exala em bocas gemidas. Brisa, brisa, brisa... Arrasta-me contra esse miserável tempo. Rememorado soa estranho a rosa dos ventos; Gira, gira, gira... Cobrindo-me com pó lambido. De todo canto, ouço o canto do casto homem. Anda depressa antes que Deus desista; Antes que o juiz se renda à palmeira da injustiça. Luz do dia secando mananciais; Luz da noite cobrindo verdade oprimida geme! Oh que agonia a terra trincada é pele fissurada. Sangue que não satisfaz se junta à lama. E o mundo não para no tempo que se faz de pedra. Esculpido pelo brado do homem encarniçado; Cuspido pelo espanto que sai da fala. Onde está a calmaria senão em outra sucessão? Homem seca o choro da terra mostra-lhe a nudez. Em sua fragilidade diante ao desalento; Está mais nu do que os pés descalços. Está mais nu do que os objetos enxergados sem mistérios. Agora mora na genitália exposta a reprodução do mundo. E todos poderão ver a fertilidade dos atos, Potência e impotência à nua realidade à mostra.