Cícero Acayaba - A Outra Alice
A noite é toda do céu,
Também dos olhos de Alice.
— Alice, a dos olhos pretos,
Com lua cheia de dentro,
Sem Sã Jorge, sem dragão.
Apenas a luazinha,
De onde nasce, às vezes, lágrima.
Alice encostada ao muro
Que proíbe o palacete.
Mas a música está livre:
Achou a janela aberta
E veio ter com Alice.
Gostou dos ouvidos dela.
— Há pouco sentia frio,
Agora não sente, não;
Há pouco sentia fome,
Agora não sente, não.
Até parece a outra Alice
Do País das Maravilhas.
A noite é toda do céu.
Saiu dos olhos de Alice:
Agora os olhos de Alice
São verdes ou são azuis:
Pretos é que eles não são.
Alice vestida de rendas...
— Que importa que o vento sopre
Seu vestidinho rasgado?
Alice amada no alpendre...
— Que importa aquela palavra
Tão feia escrita no muro?
Alice tocando Chopin...
— Que importa o choro do filho
Que cresce em sua barriga?
Alice, que bela estás!
O País das Maravilhas
É de Alice pela música.
O vento bate a janela:
A noite é toda do céu
Também dos olhos de Alice.
Alice vestida de trapos,
Por todo canto faz frio.
Alice magra de fome
Com filho ultriz na barriga
Que come o pão que ela come.
Alice encostada ao muro
Que proíbe o palacete.
Alice só no silêncio
Da rua sem folha seca,
Da rua que se sumiu
Nos olhos pretos de Alice.
Vazia Alice de música,
Instante de maravilha!
— Alice, você é a outra,
Humilde trevo de muro,
Que a noite é toda do céu,
Também dos olhos de Alice.